domingo, 25 de novembro de 2012

A guardiã do tempo



Mulher na janela, Salvador Dali, 1925.



A pele que hoje tocas,
não é a mesma de tempos atrás.

Ela sentiu frio,
calor,
molhou-se com a água do céu.

Arrepiou-se com as barbáries do mundo,
arrepiou-se também em momentos de êxtase.

Foi tocada por diversas mãos,
e dessas mãos colheu ao máximo,
o afago.

Teve ferimentos,
e desses,
algumas cicatrizes.

A sua temperatura porém,
a mesma não é.

Alguns graus foram perdidos
naquele tempo,
tempo em que ela pode sentir,

quão ardente é a paixão,
quão fria é a solidão,
quão quente é o amor,
quão branda é a saudade.

E dentro dela, o que há?
Que mulher ela,
com seus contornos,
guarda?!

 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Mário Castello
Fotografia: Lápis para escrever, 2008.


Furioso,
o menino pega o lápis
e com ele
traça pontos,
que se tornam linhas,
que se tornam palavras.

Nelas,
os seus sonhos de vida,
os seus desejos mais impossíveis,
o seu formar enquanto homem.

E nesse contato tão rústico,
toda conquista se inicia
e toda mudança acontece.

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Salve Chico!



Futuros amantes (1993)
Chico Buarque

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que um dia
Deixei pra você.

"Eu estava mexendo no violão, começei a fazer a melodia, e a primeira coisa que apareceu foi exatamente cidade submersa, isolada de tudo... Porque cantarolando parecia cidade submersa, parecia que a música queria dizer isso. E eu tinha que ir atrás depois, tinha que explicar essa cidade submersa, tinha que criar uma história. Aí eu coloquei esses escafandristas e esse amor adiado, como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor vai ficar aí debaixo d'água e vai ser usado por outras pessoas. Amor que não foi utilizado. Porque não foi correspondido, ele ficou ímpar, pairando ali, esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor."
Chico Buarque.

Trecho do livro Histórias de canções: Chico Buarque, de Wagner Homem, São Paulo, 2009.


Eu não conhecia muito a obra do Chico Buarque através de sua voz. Por ser nordestina e valorizar muito os artistas da minha região, por ter sido influenciada musicalmente por um pai que valoriza os artistas da terra, não havia me rendido aos encantos desse fluminense de olhos tão tristes e belos. Suas músicas porém, conheci sim, principalmente pela belíssima voz da Gal Costa. Confesso que as prefiro cantadas por ela. Sempre gostei mais de vozes femininas a embalar músicas. Gal deu ao Chico toda a sutileza que ele merece. Uma voz gentil, doce, carícia aos meus ouvidos, principalmente no CD Mina d'água do meu canto onde a mesma interpreta canções de Chico e Caetano e onde ouvi pela primeira vez a música acima escrita. Outra responsável em me tornar mais íntima da obra do Chico foi a Maria Bethânia.  Intensidade...é a mais simples palavra que posso usar para definir tamanha entrega. É visceral! A Bethânia já é profunda por natureza, quando canta o pesar de Chico fica ainda mais bela e forte. Acho que agora, na ocasião em que leio o livro do Wagner Homem e depois de ter o Chico apresentado a mim por intermédio dessas duas divas, ele me parece bem mais rico de sentido. Me parece mais fundamentado, mais propício. O delicioso exercício que eu costumo fazer nesses dias em que me deleito com o livro é ouvir as canções do Chico, cantadas por ele. Aquela voz ímpar, cheia de pesar, sentimentos e vida.   

Palavras

As palavras...
 
borbulham em minha cabeça
 
como que me pedindo
 
para morar

em um conto,

um poema,

um escrito qualquer.


Sem sombra de dúvidas...a melhor intérprete da música brasileira!


Música: Canto de Ossanha
Letra e melodia: Baden Powell e Vinícius de Moraes
Intérprete: Elis Regina